Já com a vitória sobre o Luxemburgo no bolso, consegui encontrar um buraco temporal para abordar o recente episódio que envolveu Cristiano Ronaldo pelo final do jogo com a Sérvia. À boa maneira portuguesa, as nossas televisões, certamente também os jornais, trouxeram-nos o mais que esperado. Uma interessantíssima marca do nosso modo de estar na vida, e que explica, em mui boa medida, a situação relativa no espaço europeu que foi a nossa e de (quase) sempre.
Embora não possa dizer que a bola entrou completamente na baliza sérvia, e para lá do risco de baliza, tenho quase a certeza de que tal acontecimento teve ali lugar. Portanto, parto do princípio de que o golo teria de ser válido. Simplesmente, isto acontece no futebol, como o próprio selecionador nacional acabou por dizer na sua intervenção final: no futebol é assim.
Tendo tudo isto em conta, o que passou a valer foi o facto de não ter ali sido considerado golo válido, acabando Portugal por empatar com a Sérvia. É natural, pois, que tendo sido golo, e tendo Cristiano Ronaldo podido perceber esta mesma realidade, em face da sua posição junto à linha final, este tenha explodido de fúria perante o que entendeu ser um erro tremendo e uma injustiça para a seleção portuguesa.
Claro está que Cristiano Ronaldo conhece muitíssimo bem o normativo em vigor em matéria deste tipo de protestos, mas também temos de perceber que ele não é um autómato, que cumpre sempre, irrepreensivelmente, todas as normas em vigor, assim como se não disponha de reações emocionais. De tudo isto, porém, sobrevieram consequências imediatas.
As normas regulamentares são gerais e abstratas, pelo que aquele protesto teria de vir a ser punido, recebendo um cartão amarelo. Pior, todavia, foram os protestos à saída, que pareciam dizer que já mais nada valia a pena, porque as decisões a esperar seriam sempre contra Portugal. E depois, parece que já com o jogo findado, o lançamento da braçadeira de capitão ao solo.
No meio de tudo isto, que parece não merecer grande discussão, de pronto surgiu o já velho choradinho, a cuja luz, sendo Cristiano Ronaldo o maior, tudo no seu comportamento deve ser relativizado, assim como se as normas em vigor possam não valer para todos os que jogam o futebol. E fartei-me de rir com as palavras de Fernando Santos, quando depois, na conferência de imprensa, explicou que estava de costas, não tendo visto o que se passou. Depreende-se destas palavras que não viu as imagens, nem nada delas escutou, pelo que não sabia de nada. É bem o modo como há décadas venho definindo o modo português de estar na vida: não viu, não ouviu, não sabe, não pensa, obedece.
Este caso mostra o que se conhece de há muito no mundo atual do nosso futebol: haja o que houver com Cristiano Ronaldo, ninguém aceita que possa ser castigado. E se tivesse enfiado uma valente bofetada no árbitro auxiliar, seria, para os nossos comentadores, porque este deveria ter dito algo inaceitável para o nosso desportista. Recordemos, por exemplo, o que se passou com Cantona, quando jogava no Manches-er United, e no que depois sucedeu consigo e com o espetador provocador e ofensivo, e tentemos pensar sobre se um tal cenário poderia ter lugar entre nós, mormente com Cristiano Ronaldo.
Opinião de Hélio Bernardo Lopes